14 de setembro de 2009

Nó de papel

Notei que o tempo que passa

vai deixando as traças no seu mesmo lugar.

De qualquer maneira vou achando graça,

pois o tempo que esvoaça

é o mesmo que volta a passar.

Aí, vem o vento trazendo a fumaça,

e a vista embaça,

a poeira levanta

e de nada adianta querer te soprar.

Assim vou levando às tantas,

rindo por fora

e por dentro querendo chorar.

Mas por que ficar contando hora,

se a demora foi feita pra gente mudar.

Com o pranto eu rego meu canto

e é desse encanto que me faço florar.

Eu tenho no verso um mar que me ancora,

e tenho nos olhos um céu de luar.

Preciso viver o meu tempo de agora,

pois, na outra volta, não pretendo parar.

Vai vida, me solta!

3 de junho de 2009

In Mute

Confesso e retido num silêncio de tudo,

sem trama e tragédia,

direto e detido de um improviso constante,

enxergo um pouco mais adiante dos meus dias.

Contido o instante, não sou nada.

Sou por completo vazio.

Distante e sem sentido,

sem prosa nem verso.

Desprovido de qualquer variante,

avante pelo universo dominante,

diante somente dos meus sobretudos.

Inconstante, dispenso os poréns e contudos.

Disperso e imerso num sonho avesso,

atravesso os confins congelantes da solidão,

perante a imensidão dos impulsos,

e vigorantes sensações de sobressaltos.

Assim, decreto desarranjo absoluto.

Luto contra meu próprio vulto

envolto ao meu dócil vício.

E sobra qualquer resquício de engano,

qualquer resto de pano de um sacrifício.

Então, fecho os olhos pra sempre

até que nunca me dê um horizonte.

Ou até quando nada tiver outro plano

onde tudo será precipício.

29 de maio de 2009

Duvido...

...de tudo e mais um pouco.

Louco nada, muito menos impreciso.

Conciso, porém indeciso.

Mas justo comigo?

Justo quando resolvi sair do arbusto?

Ah! E tanto custo...

Injusto, que mais eu preciso?

Sabe, o perigo é dar o susto.

Aí não tem bilhete que sirva de aviso.

Depois que reviso todo meu conteúdo

penso que falta um pouquinho de tudo

pro meu ego decidir um novo juízo.

Assim eu sobrevivo.

Incisivo o culto de qualquer besteira

pra sair da fronteira que beira o absurdo

me preencho no fundo com grama rasteira.

O meu brinquedo é pular do abismo.

Cinismo, que nada, é sangue na veia.

Nada de espinho nem de roseira.

Agora eu sou madeira.

Duro. Vivo. Livre de toda maneira.

Dono do meu mundo.

Servo da minha canseira.

Cego de minha viseira.

Pobre do bem afetivo.

Lavo todo o escuro dos olhos junto com a roupa

isso me poupa de outros imprevistos.

Fora os tantos outros conflitos,

fora os muitos e muitos atritos,

fora que o coração esteja em detritos

estou pronto pra outra ribanceira.

27 de maio de 2009

Conseqüência

E quando faltara o amor

eu me deitara.

Fechara os olhos do mundo,

e abrira os da alma.

Afundara o corpo em sono profundo,

virara e revirara,

até que um sopro me tocara a palma,

remexera-me no fundo do poço

e afogara-me na calma.

E ficara sem tempo nem espaço,

sem traço nem esboço,

sem fosso e sem nem um pingo de sangue

no colo que me tange a beira do dorso

e me acalma e acalanta de todo pranto em suplício.

Tudo que passara fora precipício.

Tornara a ser livre de qualquer absurdo,

mudo de todo canto impuro,

solto de qualquer muro que alastra

de um desaforo inútil.

Sutil como música que preenche os pontos,

que arde nos contos como trilha sonora,

que do nada aflora e cora os cânticos.

E tantos foram os refrões inquietos,

brutos e repletos de acidentes múltiplos,

descontínuos de passados fugidios,

arredios como meninos de rua,

que na noite insinua arrepios

que fazem do frio cobertor,

e da lua guardiã.

Afã de qualquer valor,

residi no ardor

e calei-me por completo.

Discreto na dor,

evito o rancor como jus.

Hoje olho pro céu

e não vejo luz.

Continuo cego de amor.

2 de março de 2009

Os Cegos e o Relógio

Enxergo um momento por si só.

Vejo o mundo às avessas,

olho por todos os lados,

ando por todos os cantos,

escuto o tom das conversas

e entendo o porquê das coisas não caírem.

Mas nem tudo é feito de nó.

Vejo que o tempo tem pressa,

o tempo atravessa,

quando tudo não pára.

O tempo dispara

e outro tempo começa,

num tempo de um outro tempo

que o meu tempo não encaixa.

Porém, o que é uma baixa

quando tudo se regenera,

quando nada te espera,

quando tudo é em caixa?

E entendo o porquê das coisas não caírem.

Abaixo,

essa dor que o tempo não cura

que o tempo não paga,

e a esperança se apaga

numa outra promessa.

Porque tudo é peça,

que anda pra qualquer lado.

Tudo é quadro,

que se pendura em qualquer parede.

Tudo é esgoto,

que escoa pra qualquer ralo.

Mas de nada se entende.

No mais, me vendo os olhos

e me calo.

Não sabem o que eu nego.

Não sabem o que eu rego.

Não sabem do que falo.

Cegos...

26 de fevereiro de 2009

Reflexo

Ontem te fiz meu espelho.

Me enxerguei com seus olhos

refletidos nos meus,

e parei no seu tempo.

Um fulgor exalou em meu peito

um samba de amor,

quase meio sem jeito,

mas com ar trovador.

Sofredor,

fiz do amor, argumento

pra viver um viés sonhador.

Cantador,

fiz do samba, instrumento

pra calar todo o pranto da dor.

E amei, quando vi em seus olhos

os meus olhos de quem acordou.

Renasci, como surgem os enredos

que traduzem segredos

com intenso esplendor.

Morri, de um amor sorrateiro

pra cantar noutros cantos

outros cantos de amor.

E voei, quando vi minhas frases

beijarem sua boca,

nota por nota,

em verso e prosa

de um samba canção.

Dizem que o amor se renova

depois que os dias se vão

e a dor vai embora como quem nunca chegou.

Com o vento vem o sufoco e a demora

de não saber a hora nem a cor

da angústia que se incorpora

na ansiedade do que está pra chegar

ou ainda não se encontrou.

Dizem que a espera é reflexo da saudade

e a esperança é morrer de amor.

25 de fevereiro de 2009

Espelho

Vi nos teus olhos meus olhos em ti.

Guardei o sorriso,

qualquer traço do rosto,

e a boca calada.

Mas de nada foi preciso,

de nada.

Nem uma frase,

um sopro,

uma piscada,

somente nada.

O acaso se deu ao trabalho,

trouxe no orvalho

o tempo de ontem,

o cheiro, a cor, o som...

A vida em retalho.

A imagem de outrem

numa mesma paisagem.

O vento me deu o atalho.

Te sinto de perto bem longe.

Te enxergo longe bem tarde.

Te espero nos sonhos da noite.

Te quero pra ter minha paz.

E fico pensando em imagem

um samba de leva e trás.

Tua estrada é minha viagem.

Seu trajeto é meu tempo que faz.

De resto, espero outro ontem

pro amanhã chegar nunca mais.

E a esperança de ser tudo de novo

quando o começo não teve um fim.

Faço do tempo e espaço meu sempre.

Vi nos meus olhos teus olhos em mim.

17 de fevereiro de 2009

Livro da Escuridão

Tudo o que vivi

escrevi por linhas tortas

nos caminhos que percorri

com meu violão.

Não apaguei, nem desmenti nada

somente faço página virada

de um livro que consulto

sobre um vulto oculto

que envolve e afunda

na solidão profunda

do vazio de meu coração.

Escrevo tudo em tom de tristeza

pois a vejo com beleza,

como faço quando quebro um galho seco

junto às folhas mortas vivas pelo chão.

Faço da dor minha verdade

e colho em felicidade

tudo o que sofri,

tudo o que perdi,

tudo o que não vi

e tudo o que vivi em solidão.

O rio da minha vida

escorre sobre a sombra

de uma árvore à margem

do livro da escuridão.

As folhas caem por sí só

e correm viagem

como notas de canção.

Tudo o que li foi passagem.

Tudo o que vi foi ilusão.