24 de outubro de 2008

Lux

Sinto um vento passando

e a idéia me sopra um profundo silêncio.

Uma agonia me invade o coração

e transborda uma espécie de emoção

que escorre pelo corpo inteiro.

Um arrepio me percorre,

varre nos fundos  como um golpe,

ferve o sangue e me dissolve

até ganhar os dedos, papeis e canetas.

E uma luz me incendeia.

A boca cala,

os olhos dormem,

as dores somem

e as palavras me chovem

como maré em noite de lua cheia.

14 de outubro de 2008

Fuga

Fujo de tudo que tenho com tudo que posso.

Corto todo o vento no rosto, 

suporto o peso do tempo na costas

corro pro outro lado do mundo

e convivo com o absurdo

de saber dar o nó e cortar a corda.

Sumo e me escondo por entre os cacos dos meus escombros.

Carrego nos ombros todo o nosso cansaço,

levo nos braços todos nossos sonhos,

passo por cima de tudo,

percorro todos os hemisférios

e atravesso as intempéries da alma

no mais absoluto mistério

que discorre dos caminhos de minha palma.

Mas é como se o tempo me vendasse os olhos

e tirasse a expressão de minha face.

Inundasse meu chão de lamentos,

escondesse meu corpo em disfarce.

Mesmo assim fujo pra outro momento

que o próprio tempo ainda nem disparou.

Fujo pra esconder as mágoas

e escorrê-las nas águas

de um rio que o céu transbordou.

Fujo e levo junto todos os nossos problemas,

todos nossos dilemas

que o tempo sem dó nos reservou.

Fujo pra devolver ao seu mundo

um infinito segundo

que o meu mundo levou.

1 de outubro de 2008

Fazedor de Pensamentos

E eu, que culpa tenho eu

se o tempo do meu tempo

dispara e sempre pára no mesmo lugar.

Se as rosas que eu cultivo

não são flores pra qualquer jardim.

Se o sol do meu infinito

é mais um eclipse para o seu luar.

Se o enredo desse meu samba

sempre faz desfecho com o mesmo fim.

Porque pra mim,

o vento só é estorvo

pra quem não quer navegar.

E que quando sopra

é porque sabe pra onde ir,

quando e onde vai chegar.

Não importa se terá que remar

ou deixar a correnteza pedir.

Quem não sabe medir

é quem não sabe enxergar.

Os olhos não falam mais que palavras,

mas sempre sabem o que falar.

Não sabem quando mentir

e se não falam é porque só querem olhar.

Agora, não faça do meu jeito

discurso para o seu penar.

Meu peito é muito mais estreito

do que qualquer outro caminho

que irá passar.

Saiba que as rosas têm espinhos

porque não é só de peixinhos que se faz um mar

e que a dor em desencanto é desalinho,

mas é somente sozinho que se aprende a amar.

Se não posso viver como passarinho,

deixe-me no ninho até reaprender a voar.

Enquanto isso,

volto a viver no meu canto,

volto a viver desencanto,

volto a viver outro encanto

e deixo que o canto me toque o cantar.

É de pranto que rego meu canto,

é de canto que navego em meu mar,

até que o coração que parou de bater,

volte a bater sem parar

e cada dor que desatine sem gosto

seja uma cor que ilumine o olhar.

E cada gota que escorra do rosto

seja um rio que viva a me levar.

Só assim poderei ser eu de novo

pra outra vez voltar a errar.

E que entendam que o que sinto é o que movo

e que não corro se não sei tropeçar.

Que não sou eu quem está pedindo socorro.

Se hoje por dentro eu morro,

amanhã faço Dela meu lar.

O futuro se faz do pensamento

que pensamos um dia por pensar.

E é pensando que se faz um momento.

Pensar não quer dizer não falar.

O pensar é o limiar do afogamento

que nos sujeitamos quando decidimos falar.

É da fala que se dá o desentendimento.

Quanto mais falamos mais teimamos em afogar.

Se for pensando que me faço conciso,

eu penso que preciso não parar de pensar.

Se é confuso, se é flutuante ou se é impreciso,

dê-me razões que me façam pensar em parar.

Acho que não sei ser igual aos outros...

Prefiro fazer do meu mundo

um profundo fazedor de pensar.