3 de setembro de 2010

Sabes de mim?

Sabes que vejo teu rosto

quando apago meu mundo

no fundo de meus olhos.

Sabes que ando no teu rumo

quando corro no escuro

do caminho de meus sonhos.

Sabes que sinto o teu cheiro

quando paro e afundo a alma

em meus pensamentos.

Sabes que ouço teu sopro

quando faço silêncio

do lado de dentro do corpo.

E que corro sem rua e sem rumo,

sem poste e sem luz,

sem nenhum tostão de espírito no bolso.

E que falo sem prós nem provérbios,

sem sons nem advérbios,

nem nada que eu não saiba decerto um pouco.

E que quando escuto teu nome

o peito dispara sem tempo e compasso,

e acelera sem freio nem rédea,

e destoa no espaço sem dor nem remédio.

Sabes de tudo e sabes de nada.

Sabes que agora não sei de você.

Sabes que sei que se os olhos não vêem

o coração pressente, a alma desconfia,

o corpo padece, o sangue esfria...

O tempo não pára quando perde de vista.

O vento dá pistas do mundo de longe.

Sabes ser você.

Eu só sei ser palavras.

22 de janeiro de 2010

Inlustre

A vida esparrama-se

como cacos de vidro sobre a mesa.

Qualquer idéia acesa

passa a ser um livro aberto.

Está tudo tão perto,

tudo tão certo

que não tenho mais certeza.

Não tenho mais firmeza nos versos,

inversos diversos sem eira

na beira do meu universo.

Não penso besteira,

somente disperso

e inverto as estribeiras.

Até que o corpo cansa

quando a alma não alcança

os dedos descansam,

e a alma não segura presa.

No mais, sou mais um corpo na cama,

um quase que o nada não deixa.

Sou vela em chamas

que o corpo inflama.

E esqueço.

Deixa que o tempo derreta.

14 de setembro de 2009

Nó de papel

Notei que o tempo que passa

vai deixando as traças no seu mesmo lugar.

De qualquer maneira vou achando graça,

pois o tempo que esvoaça

é o mesmo que volta a passar.

Aí, vem o vento trazendo a fumaça,

e a vista embaça,

a poeira levanta

e de nada adianta querer te soprar.

Assim vou levando às tantas,

rindo por fora

e por dentro querendo chorar.

Mas por que ficar contando hora,

se a demora foi feita pra gente mudar.

Com o pranto eu rego meu canto

e é desse encanto que me faço florar.

Eu tenho no verso um mar que me ancora,

e tenho nos olhos um céu de luar.

Preciso viver o meu tempo de agora,

pois, na outra volta, não pretendo parar.

Vai vida, me solta!

3 de junho de 2009

In Mute

Confesso e retido num silêncio de tudo,

sem trama e tragédia,

direto e detido de um improviso constante,

enxergo um pouco mais adiante dos meus dias.

Contido o instante, não sou nada.

Sou por completo vazio.

Distante e sem sentido,

sem prosa nem verso.

Desprovido de qualquer variante,

avante pelo universo dominante,

diante somente dos meus sobretudos.

Inconstante, dispenso os poréns e contudos.

Disperso e imerso num sonho avesso,

atravesso os confins congelantes da solidão,

perante a imensidão dos impulsos,

e vigorantes sensações de sobressaltos.

Assim, decreto desarranjo absoluto.

Luto contra meu próprio vulto

envolto ao meu dócil vício.

E sobra qualquer resquício de engano,

qualquer resto de pano de um sacrifício.

Então, fecho os olhos pra sempre

até que nunca me dê um horizonte.

Ou até quando nada tiver outro plano

onde tudo será precipício.

29 de maio de 2009

Duvido...

...de tudo e mais um pouco.

Louco nada, muito menos impreciso.

Conciso, porém indeciso.

Mas justo comigo?

Justo quando resolvi sair do arbusto?

Ah! E tanto custo...

Injusto, que mais eu preciso?

Sabe, o perigo é dar o susto.

Aí não tem bilhete que sirva de aviso.

Depois que reviso todo meu conteúdo

penso que falta um pouquinho de tudo

pro meu ego decidir um novo juízo.

Assim eu sobrevivo.

Incisivo o culto de qualquer besteira

pra sair da fronteira que beira o absurdo

me preencho no fundo com grama rasteira.

O meu brinquedo é pular do abismo.

Cinismo, que nada, é sangue na veia.

Nada de espinho nem de roseira.

Agora eu sou madeira.

Duro. Vivo. Livre de toda maneira.

Dono do meu mundo.

Servo da minha canseira.

Cego de minha viseira.

Pobre do bem afetivo.

Lavo todo o escuro dos olhos junto com a roupa

isso me poupa de outros imprevistos.

Fora os tantos outros conflitos,

fora os muitos e muitos atritos,

fora que o coração esteja em detritos

estou pronto pra outra ribanceira.

27 de maio de 2009

Conseqüência

E quando faltara o amor

eu me deitara.

Fechara os olhos do mundo,

e abrira os da alma.

Afundara o corpo em sono profundo,

virara e revirara,

até que um sopro me tocara a palma,

remexera-me no fundo do poço

e afogara-me na calma.

E ficara sem tempo nem espaço,

sem traço nem esboço,

sem fosso e sem nem um pingo de sangue

no colo que me tange a beira do dorso

e me acalma e acalanta de todo pranto em suplício.

Tudo que passara fora precipício.

Tornara a ser livre de qualquer absurdo,

mudo de todo canto impuro,

solto de qualquer muro que alastra

de um desaforo inútil.

Sutil como música que preenche os pontos,

que arde nos contos como trilha sonora,

que do nada aflora e cora os cânticos.

E tantos foram os refrões inquietos,

brutos e repletos de acidentes múltiplos,

descontínuos de passados fugidios,

arredios como meninos de rua,

que na noite insinua arrepios

que fazem do frio cobertor,

e da lua guardiã.

Afã de qualquer valor,

residi no ardor

e calei-me por completo.

Discreto na dor,

evito o rancor como jus.

Hoje olho pro céu

e não vejo luz.

Continuo cego de amor.

2 de março de 2009

Os Cegos e o Relógio

Enxergo um momento por si só.

Vejo o mundo às avessas,

olho por todos os lados,

ando por todos os cantos,

escuto o tom das conversas

e entendo o porquê das coisas não caírem.

Mas nem tudo é feito de nó.

Vejo que o tempo tem pressa,

o tempo atravessa,

quando tudo não pára.

O tempo dispara

e outro tempo começa,

num tempo de um outro tempo

que o meu tempo não encaixa.

Porém, o que é uma baixa

quando tudo se regenera,

quando nada te espera,

quando tudo é em caixa?

E entendo o porquê das coisas não caírem.

Abaixo,

essa dor que o tempo não cura

que o tempo não paga,

e a esperança se apaga

numa outra promessa.

Porque tudo é peça,

que anda pra qualquer lado.

Tudo é quadro,

que se pendura em qualquer parede.

Tudo é esgoto,

que escoa pra qualquer ralo.

Mas de nada se entende.

No mais, me vendo os olhos

e me calo.

Não sabem o que eu nego.

Não sabem o que eu rego.

Não sabem do que falo.

Cegos...